É estimado que cerca de 90% das doenças transmitidas por alimentos sejam provocadas por microrganismos. Os microrganismos podem ser encontrados em quase todos os alimentos, mas a transmissão de doenças resulta, na maioria das vezes, da manipulação incorreta de alimentos ao longo da cadeia alimentar. Atualmente, conhecem-se mais de 250 tipos de bactérias, vírus e parasitas que causam doenças que são veiculadas pelos alimentos, no entanto apenas alguns aparecem relacionados com maior frequência a estas doenças. Por isso, os microrganismos são classificados segundo os perigos que transportam e a sua capacidade de difusão.
As doenças veiculadas por alimentos são uma preocupação para a saúde pública , sendo os microrganismos frequentemente responsáveis por estes resultados. Quando falamos de agentes causadores de doenças de origem alimentar, as bactérias apresentam um papel proeminente. Entre elas, três bactérias são particularmente destacadas devido à sua prevalência e impacto: Escherichia coli (E. coli), Salmonella e Listeria monocytogenes.
Os últimos relatórios publicados pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) refletem um aumento de casos, na Europa, associados a Listeria monocytogenes e E.coli produtora de toxina Shiga (STEC) e que se insere no grupo de E. coli enterohemorrágica (EHEC), sendo que em 2022 estavam em níveis mais elevados do que antes da pandemia COVID-19. No caso da listeriose, uma explicação para esta tendência é o aumento da população idosa, que apresenta maior risco de contrair uma doença grave. Quanto ao aumento dos casos de E.coli produtora de toxina Shiga (STEC) deve-se em parte à alteração para métodos de deteção mais sensíveis, que podem detetar esta bactéria mais facilmente. No caso da Salmonella, que normalmente é responsável por causar a maioria das infeções alimentares anualmente, não foi observado um aumento relevante.
Com a ajuda da SARA HACCP, vamos dar destaque a estas três bactérias e iremos abordá-las de modo a compreender as suas caraterísticas, sintomas associados e as medidas preventivas necessárias para mitigar os seus efeitos na saúde pública.
Desde a sua identificação por Theodor Escherich em 1885 até os dias de hoje, a Escherichia coli (E. coli) representa uma grande preocupação médica e industrial. Inicialmente isolada das fezes de crianças, tornou-se evidente ao longo do tempo que certas estirpes poderiam desencadear gastroenterites, com maior gravidade em crianças, daí desencadear um interesse crescente e preocupação científica.
A partir de 1920, a E. coli foi oficialmente reconhecida como uma bactéria patogénica entérica, já na década de 40 foram estabelecidas medidas de controlo nos países desenvolvidos. A sua relevância no setor dos alimentos como indicador de contaminação fecal também foi estabelecida desde o início do século XX.
A E. coli é uma bactéria gram-negativa, da família Enterobacteriaceae, naturalmente presente no trato digestivo de humanos e animais, geralmente inofensiva, mas algumas estirpes podem causar diarreia e outros problemas de saúde. Os principais grupos de E. coli patogénica associada ao consumo de alimentos são a E.coli enteropatogénica (EPEC), a E. coli enterotoxigénica (ETEC), a E.coli enteroinvasiva (EIEC) e a E.coli enterohemorrágica (EHEC), onde se inclui E.coli O157:H7.
Esta bactéria pode ser encontrada no trato intestinal de humanos e animais de sangue quente, a sua transmissão ocorre principalmente por meio do contato direto com animais, contato humano e consumo de alimentos contaminados. A contaminação fecal da água e dos alimentos é uma via comum de infeção, com consequências potencialmente graves.
A E. coli tem sido associada a vários surtos alimentares, principalmente devido a práticas deficientes de higiene. Na análise das notificações na plataforma RASFF concluímos que alimentos como carne, leite e derivados, moluscos bivalves e produtos derivados, bem como frutas e vegetais estão frequentemente envolvidos. Assim como a maioria das notificações
emitidas na plataforma são classificadas como graves e potencialmente graves. Em humanos, a E.coli enterohemorrágica (EHEC) é responsável por vários sintomas, sendo que os mais comuns são colite hemorrágica caracterizada por uma diarreia sanguinolenta, fortes dores abdominais, vómitos e ausência de febre. Em casos mais graves pode ocorrer Síndrome Hemolítico Urémico (SHU) e Púrpura Trombótica Trombocitopénica (PTT) em crianças e idosos, respetivamente. Estas síndromas caracterizam-se por anemia hemolítica microangiopática, trombocitopénia, alterações da função renal, febre e anomalias do sistema nervoso central, apresentando uma taxa de mortalidade muito elevada.
Crianças, viajantes para países em desenvolvimento, idosos e pessoas imunodeprimidas estão entre os grupos de risco que contraem infeções por E. coli. A prevenção envolve práticas rigorosas de higiene ao longo de toda a cadeia alimentar, controlo de temperatura e implementação de sistemas de controlo eficazes.
Atualmente, a E. coli continua a representar um desafio significativo para a saúde pública e para setor alimentar, o que exige esforços contínuos para prevenir infeções e surtos associados a esta bactéria comum, porém potencialmente perigosa.
A Salmonella é uma bactéria gram-negativa que pertence à família Enterobacteriaceae, apresenta mais de 2300 serotipos conhecidos, sendo a diferenciação entre eles crucial para o controlo de surtos. As bactérias do género Salmonella são uma das principais causas de doenças transmitidas por alimentos, na Europa a salmonelose destaca-se pela sua variabilidade em termos de características e severidade das doenças que provoca.
A Salmonella tem a capacidade de crescer e sobreviver numa ampla faixa de condições ambientais. Elas são anaeróbias facultativas, o que significa que podem crescer tanto na presença como na ausência de oxigénio, mas na presença de oxigénio o seu efeito letal é potenciado, além disso estas bactérias são resistentes à irradiação.
A salmonelose é considerada uma infeção zoonótica, ou seja, é uma doença dos animais que pode ser transmitida aos humanos. Animais de consumo, como aves e ruminantes, podem estar infetados e, consequentemente, contaminar carne, ovos e leite durante a sua produção. As práticas de higiene inadequadas durante o processamento de alimentos e o contato com as fezes de animais infetados também são fontes de contaminação comuns.
Pela análise da plataforma RASFF verificamos que alimentos como carne de aves e produtos à base de carne de aves, especiarias, ovos, frutos secos como nozes e produtos com nozes são os principais veículos de transmissão da Salmonella. Mais uma vez a grande a parte dos casos reportados são classificados como graves e potencialmente graves. Os sintomas de infeção variam e dependem do serotipo envolvido, mas podem incluir febre tifóide, enterocolite e bacteriemia.
Idosos, crianças e pessoas imunodeprimidas são mais suscetíveis a infeções por Salmonella, e nestes grupos os sintomas podem ser particularmente graves. A prevenção da contaminação envolve medidas em todas as etapas da cadeia alimentar, inclui controlo na produção primária, controlo de temperatura de armazenamento e cuidado com produtos sujeitos a reformulação, já que alterações nas condições podem favorecer o crescimento desta bactéria.
A Salmonella continua a ser por isso uma preocupação significativa de saúde pública devido à sua capacidade de causar doenças graves transmitidas pelos alimentos. A prevenção eficaz requer uma abordagem abrangente que envolva ações em todas as etapas da produção e processamento alimentar.
A Listeria monocytogenes é uma bactéria com distribuição anaeróbia, sendo identificada como um agente patogénico em animais desde 1927. No entanto, foi somente a partir dos anos 80 que surgiu como ameaça para a saúde, quando surtos graves de listeriose foram atribuídos ao consumo de alimentos contaminados por esta bactéria. Desde então, tornou-se um ponto crítico para a saúde pública, o que preocupa tanto a comunidade científica, como o setor alimentar e os consumidores.
É uma bactéria, gram-positiva, pertencente à família Listeriaceae, tem a notável capacidade de crescer numa ampla faixa de temperatura (-0,4 a 45°C), sobrevive em ambientes de congelação por longos períodos. Apresenta uma tolerância ao pH (entre 4,3 e 9,4) e à atividade de água (aw), o que a torna ainda mais versátil e adaptável. Além disso, é anaeróbica facultativa, o que lhe permite prosperar tanto na presença como na ausência de oxigénio.
L. monocytogenes pode ser encontrada no solo, vegetais, carne e peixe. A sua disseminação ocorre principalmente através do consumo de alimentos contaminados, contaminação de recém-nascidos durante o parto, por infeção cruzada em ambientes hospitalares e contato com animais. A formação de biofilmes em ambientes de processamento alimentar dificulta a sua eliminação durante as etapas de limpeza e desinfeção.
Ao analisar a plataforma RASFF, verificamos que as notificações por L. monocytogenes são classificadas, na sua maioria, como graves e potencialmente graves, e que alimentos como frutas e vegetais, queijos, leite pasteurizado, carne, peixe são alguns dos alimentos frequentemente associados a infeções por este agente. Os sintomas variam, mas podem incluir desde septicemia, a infeções meníngeas em adultos até complicações durante a gravidez, como aborto ou parto prematuro.
Grupos de risco incluem indivíduos imunodeprimidos, grávidas, recém-nascidos e idosos. A prevenção baseia-se na educação dos consumidores, práticas de higiene adequadas e implementação de sistemas de controlo ao longo da cadeia de produção alimentar.
A L. monocytogenes apresenta-se como uma ameaça silenciosa no setor alimentar, exigindo medidas rigorosas de controlo e prevenção para proteger a saúde pública. A sua omnipresença e resistência a condições adversas destacam a importância contínua da vigilância e da adesão às boas práticas de higiene ao longo de toda a cadeia alimentar.
Estes três agentes patogénicos, E. coli, Salmonella e Listeria monocytogenes, representam sérias ameaças à segurança dos alimentos e à saúde pública, daí a importância do conhecimento sobre as características e os riscos associados às mesmas para prevenir e controlar doenças veiculadas pelos alimentos. A adoção de práticas adequadas de manipulação e preparação de alimentos, juntamente com a consciencialização sobre as fontes de contaminação e a implementação de medidas preventivas desempenham um papel crucial na prevenção destas doenças. O controlo rigoroso da produção alimentar, a inspeção adequada e a educação pública são essenciais para reduzir a incidência destes surtos, proteger a saúde da população e garantir a segurança dos alimentos.
A SARA HACCP é uma ferramenta tecnológica que pretende ajudar as empresas do setor alimentar a desmaterializar os processos e registos do HACCP.
Para uma demonstração aceda aos planos SARA HACCP.
Este artigo foi escrito em parceria com a DIG-IN®
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Fonte (DIG-IN)